sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Laranjeira de Mário Quintana




Meu amigo,
obrigado por estar comigo.
Assim, em umas palavras.
Obrigado por não poder me ouvir.
Por apenas me falar num poema,
e depois em silêncio sair.

Sair de mim.

Agradeço-lhe, por sua bengalinha comunicar-me coisas.
Daquelas que não cabem explicações.
Por seu sábio conselho que me ajudou
a descascar o tempo, como faria a um amendoim.

Horas que saem de mim.

Pela modéstia no punho.
A simplicidade que confunde o mundo.
Pelo seu fio telegráfico que a outros confortou,
serenamente a espera de certa andorinha...

Em mim caminha.

Obrigado pelo suco melado da poesia.
Pelo fruto que nasce, cai e morre.
Que em mistério ressurge.
Que engana sem mentir.
Que esconde sem fingir.
Que amedronta sem temer.
Que faz ferida sem doer.

Letras ao poeta que nasceu!

E bem tinhas razão,
“a saudade é o que faz as coisas pararem no tempo”.
E se não viram, não perceberam,
do que disse bem baixinho...
Foi só distração de quem leu.

Fique em paz, passarinho...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dentro do Sonho

Sonhei um sonho nesta noite.
Sonhei que estava sonhando numa noite de verdade.
No sonho, o sonho que sonhava era a realidade.

E no sonho que sonhei que sonhava,
tive outros sonhos, de sonhos que ainda sonhando estava.

Num deles sonhei que realidade mais sonhadora que esta não há:
A de querer ser sempre sonho, pra nunca mais acordar.
Para não vir àquela tristeza por sentir e se perguntar:
Foi um sonho?

A Bica de Pedra




Trincou numa fresta da minha vida.
Jorrou água por todos os lados.
Água de mina, água viva.
Água que lava até pecados.
No fundo do mar foram lançados...
Meu Deus...jorra em mim!

Obra Prima




Foi ela quem fez,
na tradução do seu amor.
É que ninguém entende o que acontece
dentro de um apaixonado.
Sua maquiagem foi um instrumento intuitivo,
que deitou fora, depois de olhar-se no espelho.
A bolsa cara e a tiara de brilho que adorava,
tomaram parte em seu baú de inutilidades.
Ninguém gostou da obra, era ridícula!
E diziam: “Parece uma baiana boba e maltrapilha”;
Ao que para sua beleza interior, só respondia:
- “É que ele me gosta assim, de cabelos soltos”...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O Postinho da Varanda da Sala

Os anos transcorreram-se ali. Diante do postinho de luz da varanda da sala. Eles correram ligeiros. O menino agora é moço, e a menininha que brincava com as bonecas, exibe feliz, sua aliança dourada de noivado. Dourados anos que ela ainda brincava de fogãozinho, de preparar um jantar com as folhas das árvores ou com as pedras do chão.

Ah, se rolassem essas pedras como nos dias de sua infância! Mal ou bem sabe ela que, terá de preparar por sua vida vários almoços e jantares. Muitos na verdade. Milhares deles, e possivelmente irá dormir um dia ou outro cheirando à cebola, alho ou manjericão; dependendo da preferência do paladar do marido. Tomara apenas que seja ele homem comprometido, sério, que a ame, e que de preferência não se assuste com as rugas dela, após uns bons trinta anos de casados. Rugas são coisas relativas. Há quem as tem por sobras e quem não liga por tê-las, há quem ainda nem as tem. Só o amor não é relativo, mas concreto. Tomara também, que ela não abuse nos muitos temperos, para evitar em sua casa, uma eventual irritação estomacal em algum de seus membros; e para que também não deixe seu marido entojado, ao sentir com freqüência, sua linda esposa cheirando à cebola da última feira.

Homens gostam de mulheres cheirosas. Mas homens que amam, amam tais mulheres, suas esposas, noivas e namoradas, até mesmo quando elas não exalam seus perfumosos aromas à lhes provocar os desejos. Nem todos os homens amam. Tomara que Clara saiba disso, e que tal razão tenha sido um dos requisitos a ter movido sua escolha. Afinal, os bons anos passados não irão voltar, e que os próximos compensem de tão belos; e que em uma felicidade, possam refletir em sua descendência, os gestos de menina feliz que vivera anos atrás.

Nos anos que era a mamãe da boneca, que preparava as comidinhas nas tardes e que, com seu inocente olhar, alumiava o postinho da varanda da sala.
O menino que agora é moço, ainda é moço solteiro. Afirma acreditar no amor, e ainda vive com os pais, no mesmo lugar de quando pequeno brincava com sua irmãzinha Clara. Com uma diferença:

A menina partiu para não mais voltar. Ser a mulher que sonhava. Ele ainda mora ali, entre fotografias antigas e esperanças; num brilho que ainda reluz no postinho da varanda da sala, os seus sonhos em noites de solidão.

domingo, 25 de abril de 2010

A Estátua




Ele parou de fronte a imaculada e encardida estátua da madre V... e não conseguiu impedir que umas lágrimas antigas se tornassem mais uma vez, a revelação mais absurda do que há tempos tentava esconder de si mesmo.
Ele ainda amava aquela menina!
Mas como um raio de escultura de uma santa velha, praticamente abandonada num canto da praça de um colégio de padres, poderia afetar tanto um jovial coração como o de Pedro?

O colégio dos padres aparentemente era abandonado como o seu quarto. O olhar estático de tristeza da velha da estátua o remetia a sua avó, narrando-lhe histórias do século retrasado. A praça num fedor terrível de coco de pombas. Tudo isso representava um espetáculo sentimental para o rapaz que, juntando-se ao fim de tarde, sintetizavam a pura personificação da nostalgia.

Podia fingir, podia passar por alto desses seus pensamentos cotidianos, mas essa era a verdade. A sempre chata e dura verdade. Ele podia fingir-se mais religioso, chutar tudo e ser um incrédulo, mas eis que por vezes inconclusas, ele se esbarrava com esta verdade fugida que tem ares de santidade, um olhar provocante, e que circula em seu caminhar em vestes negras, com um manto a esconder os seus traços...

Ele ainda amava aquela menina!

Realmente o coração é um ninho de mistérios, queria esquecer-se. Não podia, ela sempre estava por todas as partes. Cirandava perto ou longe, com um terço numa mão e com três quartos do coração dele na outra. Pobre rapaz! Se desencorajado e triste buscasse paz, fazia uma prece, mas todas elas o levavam a pensar mais ainda, afinal, a moça repetia essas palavras diariamente, e bem Pedro sabia disso e sentia:
Não há saída, que venha a noite, que sumam os dias.

Essa tarde que se despedia era uma vadia. Para ele, a noite que chegava era uma ladra. E assim Pedro pensava: O amor que se vai é aquele que não volta. Não importa os tempos, as estrelas, as badaladas do sino, quem vem ou quem vai; não volta.

Ele via nos olhos da madre V... sem querer, os olhos de Fabiana, aquela freirinha linda de olhos verdes, por quem se apaixonara há quatro anos atrás em Belo Horizonte e que até hoje, não conseguiu esquecer.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Chuva




O poeta sentiu sono e foi dormir.
Deixou pra depois umas palavras
e aventurou-se num sonho.

Uma chuvinha caía e levou-o a tempos antigos.
Uma chuvinha que o levou nos sonhos dos seus dias...
Uns sonhos sem fim, como uma chuvinha que molha
os pensamentos mais afáveis para uma memória.

Ficaram suas palavras numa calçada.
Fugiram pela janela na noite.
Esqueceu-se, e elas foram embora,
em boa hora!

Pois quais palavras de um verdadeiro poeta,
ainda que durma, por aí nas ruas, não se demoram?